A criatividade é o recurso mais fecundo que o homem, desde sempre procurou dominar para derrotar seus inimigos atávicos: a fome, o cansaço, a ignorância, o medo, a feiura, a solidão, a dor, e a morte. Em cada esquina do planeta, em cada fase de sua evolução, a criatividade humana consegue atribuir uma forma ao caos e um significado as coisas.(Domenico De Mais)[1]Para ilustrar o processo de ensino-aprendizagem, o psicólogo Lauro de Oliveira Lima contava a história de seu cachorro. Ele sempre dizia a seus colegas e alunos que ensinara o animal a falar. Curiosos iam visitá-lo para ver o cão fenômeno. Ele pedia várias vezes ao cachorro que lhes dissesse boa noite. Mas o cachorro permanecia mudo. Lauro, então, saía-se com esta: “Ensinar, eu ensinei; mas foi ele que não aprendeu!”. A anedota alerta para a necessidade de se passar de uma docência baseada no ensino para a docência baseada na aprendizagem. Vivemos um tempo de profundas transformações que impõem novos desafios que exigem respostas inéditas e originais. O processo de ensino/aprendizagem tem sido prejudicado pela cultura do professor em transmitir conhecimento, esquecendo-se de que a aprendizagem não se dá exclusivamente pela razão, mas pelo diálogo com a natureza criativa do indivíduo. Nessa ótica da transmissão, tendo o professor como autoridade intelectual, o que se tem é a reprodução de informações por “alunos-ouvintes”, na maioria das vezes apáticos, num processo de transmissão-reprodução-transmissão, que enfatiza as operações de memorização e um conhecimento enciclopédico. Para quebrar esse círculo vicioso não basta ensinar o que é conhecido, é necessário capacitar o aluno para questionar, refletir, transformar e criar. Assim, o papel da criatividade no ensino é imperativo: criar é essencial na sociedade do conhecimento, é fator-chave para lidar com as mudanças rápidas e complexas que caracterizam o mundo contemporâneo. A criatividade no ensino superior, no entanto, ainda é pouco estudada no Brasil, embora seja fundamental para a inovação e consequente sucesso das organizações. Ela tem sido considerada como elemento crítico para a sobrevivência da grande maioria de empresas, tendo em vista os desafios gerados pela globalização, a crescente competição e o ritmo acelerado de mudanças. As psicólogas Eunice Maria Lima Soriano de Alencar e Denise de Souza Fleith – autoras do interessante artigo “Criatividade na educação superior: fatores inibidores” (ver imagem) – entrevistaram 338 professores brasileiros de instituições públicas e particulares de ensino superior para investigar elementos percebidos por eles como inibidores à promoção de condições adequadas ao desenvolvimento e à expressão da criatividade de seus alunos. Alunos com dificuldades de aprendizagem em sala de aula, desinteresse do aluno pelo conteúdo ministrado, poucas oportunidades para discutir e trocar ideias com colegas de trabalho sobre estratégias instrucionais e elevado número de alunos em sala de aula foram os itens com maior percentual de respostas. Aliam-se a tudo isso o receio de professores de assumirem riscos em função de uma cultura que não tem tolerância ao fracasso, a falta de recursos, especialmente de tempo, e oportunidades limitadas a uma avaliação formativa. As autoras admitem que a questão é complexa e que as suas várias facetas e multiplicidade de causas devem ser examinadas, pois englobam variáveis relativas ao aluno (entre as quatro barreiras indicadas por maior número de docentes, três diziam respeito ao aluno), ao docente, à cultura universitária e a outras de ordem sócio-histórico-cultural, que dialogam entre si. A educação tem como fim integrar o homem, torná-lo sensível para enfrentar, e responder criativamente, aos desafios impostos por uma nova sociedade baseada no conhecimento, na qual, segundo Miguel Zabalza,[2] os docentes devem ter dupla competência – a competência instrucional, como conhecedores do âmbito científico ensinado, e a competência pedagógica, como pessoas comprometidas com a formação e a aprendizagem dos estudantes. Estudos revelam que a prática de uma educação criativa envolve uma efetiva e peculiar revolução no modo de conceber a realidade – que incorpora pensamento e sentimento, objetividade e subjetividade, individualidade e sociedade –, permitindo ao indivíduo agir, interagir e transformar a sociedade em que está inserido. É pelo desenvolvimento da criatividade por meio da educação que se pode preparar alunos que saibam se adaptar mais facilmente ao meio, que saibam se autoconhecer e lidar de maneira sempre nova com as contingências da vida e que assumam seu papel ativo e participativo no processo ensino/aprendizagem. Desse modo, os novos tempos exigem que se desloque a prioridade do ensino dos conteúdos para a aquisição e o desenvolvimento das potencialidades e de novas atitudes, que se passe de uma aprendizagem de recepção (na maioria das vezes passiva) para uma aprendizagem por descoberta, marcada pela atividade inovadora, em que se demonstre o seu valor para a vida cotidiana, favorecendo novas indagações, novos questionamentos. Afinal, um dos maiores desafios é saber lidar com a imprevisibilidade e para isso, os estudantes precisam assumir responsabilidades pela própria formação e se preparar para continuar seu processo de formação ao longo da vida. Centrar o processo docente no aluno, respeitar a individualidade, individualizar o processo de ensino/aprendizagem, dar liberdade, mas criando responsabilidade, proporcionar um clima colaborativo, usar os dispositivos tecnológicos, desenvolver competências socioemocionais, além, é claro, da transmissão da experiência cultural e científica, revelam comprometimento com um novo fazer pedagógico voltado para a reconstrução permanente de saberes com vistas à formação de profissionais competentes, criativos e habilitados para o mercado. Ao final de seu artigo, Eunice Maria Lima Soriano de Alencar e Denise de Souza Fleith ressaltam que, embora o papel do professor seja da maior relevância para estabelecer condições propícias ao desenvolvimento das habilidades criativas do estudante, é também de fundamental importância o fomento de uma cultura universitária que dê maior valor ao desenvolvimento e à expressão do potencial criativo do estudante. Para isso, é necessária uma mudança cultural na educação superior, que inclua como um de seus elementos ajudar os professores a entender e valorizar a própria criatividade e reconhecê-la como parte integrante de sua formação profissional, paralelamente à criação de um clima institucional que encoraje e valorize a reflexão e o desenvolvimento pessoal tanto de professores quanto de estudantes. Citando James Wisdom, as autoras elencam condições propícias ao florescimento da criatividade:
- a) ter tempo suficiente e espaço no currículo para permitir aos estudantes desenvolver sua criatividade;
- b) ter situações de trabalho suficientemente variadas e diversas para possibilitar a todos os estudantes serem criativos;
- c) permitir aos estudantes a liberdade para trabalhar de maneiras novas e interessantes;
- d) desafiar os estudantes com trabalhos reais, exigentes e excitantes;
- e) delinear avaliações que permitam respostas que não sejam estreitamente predeterminadas;
- f) cultivar um clima na instituição que encoraje a reflexão e o desenvolvimento pessoal de professores e estudantes;
- g) alimentar debate acadêmico contínuo no contexto da disciplina, e diálogo sobre a natureza da matéria e o papel da criatividade na mesma.